CANDOMBLÉ NÃO SE ENSINA!




Ninguém irá sentar com você para "te ensinar candomblé".

 

Parece frustrante, mas "candomblé não se ensina".

 

Pelo menos não se ensina na perspectiva euro-ocidental e judaico-cristã, ao qual um "mestre" ou "professor" (pastor, padre, catequista, evangelizador etc..) assumem para si a função de ensinar.

 

No candomblé (e demais religiões afro-brasileiras) o processo de ensino-aprendizagem é outro.

 

Num terreiro de candomblé só se aprende fazendo. Não há outra possibilidade de aprendizado se não esta. Mas não é algo que ocorre desordenadamente.

 

Pelo contrário, a aprendizagem ocorre nas tarefas mais simples e que nem sempre são as mais agradáveis. 

 

Se aprende candomblé lavando intermináveis pias de louça.

 

Se aprende candomblé varrendo salão, calçadas e quintais por longos períodos.

 

Se aprende candomblé lavando privada, roupas e carregando imensos sacos de lixo.

 

Se aprende candomblé pintando paredes, decorando salão, "virando concreto" para reformas e melhorias do terreiro.

 

Se aprende candomblé quando fazemos "vaquinha" para comprar pão pro café da tarde ou para comprar algo pro almoço.

 

Se aprende candomblé lavando frutas, verduras e descascando muito, mas muito feijão fradinho.

 

Se aprende candomblé depenando "montanhas" de aves durante as longas noites de "obrigações".

 

Se aprende candomblé carregando e virando buchada.

 

Se aprende candomblé durante essas e outras atividades cotidianas de uma casa de axé, ao qual o Iyawo (recém iniciado) ou o Abiã (aquele ou aquela que irá se iniciar) será orientado sempre por um irmão ou irmã mais velhos.

 

Se aprende candomblé "lavando intermináveis pias de louça" e ouvindo as ebomis (mais velhas) e a Iyabassé (Cozinheira) dizendo: "tem que dar ponto nesse acarajé"! Ou, ainda: "Não bate na panela"... "enrola esse acaçá"... Além de outros inúmeros saberes que só elas dominam.

 

Se aprende candomblé "varrendo salão, calçadas e quintais" ou "lavando privada, roupas e carregando imensos sacos de lixo" e "pintando paredes, decorando salão, "virando concreto", porque sempre haverá um irmão ou irmã mais velhos dizendo para você: "Onde orixá habita não pode ter sujeira porque atrais coisas ruins". Ou pelo menos te mostrando que uma "Casa de axé" é um lar coletivo de Deuses e humanos e precisa estar limpa e organizada.

 

Se aprende candomblé "quando fazemos  "vaquinha" para comprar pão pro café da tarde ou para comprar algo pro almoço" porque só assim compreenderemos o quão dispendioso é nosso culto e viver em comunidade.

 

Se aprende candomblé "lavando frutas, verduras e descascando muito feijão fradinho" e "depenando "montanhas" de aves durante as longas noites de obrigações"  ou carregando e virando buchada", porque são nessas tarefas  que estamos mais próximos dos "awòs" (segredos), dos fundamentos e somente ao aprender essas tarefas é que passaremos a aprender outras mais complexas e, quem sabe um dia, estaremos nós também ensinando outros novatos.

 

Se aprende candomblé nessas atividades, nem sempre prazerosas ou agradáveis, porque são justamente ao longo dessas tarefas que ocorre o ato mais sagrado de uma casa de axé: as relações humanas.

 

O candomblé não se ensina. Candomblé se aprende. E só se aprende participando do cotidiano de uma casa de axé. Isso não significa "morar" no terreiro. Mas saber que para que haja festas públicas para Deuses e divindades dançarem, alguns humanos perdem horas de sono e suaram muito para que tudo ocorra perfeitamente.

 

O Candomblé não se ensina. Candomblé se aprende. Mas isso não significa que o fato de alguém possuir 7, 14, 21, 30 anos de iniciado ou tenha "cargo" que esta pessoa conheça, de fato, o cotidiano árduo de uma casa de axé. Muitas vezes, um Abiã ou um Iyawò são muito mais ativos e necessários do que aqueles e aquelas que só aparecem na hora de dar "Close no Salão".

 

Candomblé não se ensina. Candomblé se aprende. E se posso ser útil através dessas palavras gostaria de reforçar:

 

Candomblé não é apenas uma questão de fé e devoção. Candomblé é uma tradição cujo os ritmos, os cantos, as danças, as comidas são parte indissociáveis de nossos cultos.

 

Por isso, não adianta você ter fé e não saber cozinhar para orixá. Ter fé e não saber tocar, ou cantar e dançar corretamente para orixá. A fé e a devoção por si só não bastam. Pois o candomblé é mais do que uma religião. Candomblé é uma tradição que só se aprende "fazendo".

 

Candomblé não se ensina. Candomblé se aprende varrendo, cozinhando, limpando, cantando, dançando, colaborando, sorrindo, muitas vezes chorando, mas sobretudo compartilhando momentos de fé e devoção com irmãos e irmãs no cotidiano de uma casa de axé.

 

Candomblé se aprende quando o Ori (cabeça), o Àrá (corpo) e o Okàn (coração) estão dispostos à abrir-se para o novo. Abrir-se para a sabedoria ancestral.

 

Motumbá, axé!